Veja um grafo dos poemas de Sidnei Olivio
Seis de agosto do ano de vinte duplo. A cidade parece habituada à nova peste. Azul absoluto no céu. Sem começo nem fim. Na fria manhã o vento se encarrega da poeira e difunde o som das sirenes tão comuns nesses dias. O dia seguirá igual aos outros: impuros e ininterruptos. Sobrepondo-se aos acúmulos de vida e morte. Invadido pela luz era hora de postar-se ao espelho. Há duas formas de se olhar: a primeira é se aproximar e observar os detalhes do tempo. Outra é se distanciar ao máximo até que a imagem desapareça devagar. Como sendo levada pelo vento. De qualquer modo é impossível fugir da estação subitamente excessiva. O tempo se desenrola em partes. Em alguma parte. E parte numa intenção simplificada. Essa história que se constrói em partes que desconheço. E que se repete. Outra noite insone: sem possuir o sono eis o que também se torna comum após tantas repetições. Desço desse trem de sinuosas sinas. De dores inconfessadas. É o que basta para silenciar o anseio e enxergar a existência escancarada pelos fatos. Nada escapa à tela cromática do mundo. A identidade que se completa de si mesmo. Um misto de poeta e exegeta. Essa duplicidade e concretude são as armas que empunho contra o mundo. Um pé no desejo outro no medo. E os acontecimentos logo abaixo do que não enxergo semelha a um sono extemporâneo. (Nesse agora durmo de mãos dadas com o sortilégio. O desejo é só imagens e poesia: barco navegando no pós tudo que o vento insiste impulsionar).
1 nas linhas descontínuas das suas mãos a vidente enredou as ruas acidentadas do destino. o inverno se avizinhando trazendo o deserto para baixo do equador era o presságio da desesperança da falta de esmero da idade (as palavras penduradas no ponteiro do tempo se esquecem da sintaxe do desvelo e invadem o silêncio). suspensa a estação dos encontros na sutil e fragmentada história de vida. 2 mãos secas e despovoadas hesitantes do plantio em solos estéreis. custa semear sepulturas (templos de solidão infinda) solos rasos e estéreis de profundo vazio onde o vento sussurra o momento adiado. vale enfim o poço cavado onde o corpo que se extingue na aparência brota como mensagem de futuras estações.
É para isso que lhe escrevo para que você possa entender que a solidão é apenas uma distopia um sintoma da nossa individualidade nesse mundo de perplexidades irreparáveis. É para isso que lhe escrevo para que você resgate do útero da vida o desassombrado o momento inicial da única e efêmera união que se acaba no corte do cordão umbilical (essa é a marcha da subversão à hierarquia conformada da origem). É para isso que lhe escrevo para que você aceite essa eterna condição que não é única nem se desdobra em abandono pois há alguém que lhe escreve na confluência das dimensões onde jorram palavras entoando proximidade caminhando na mesma direção.
a tarde se estende feito um rio canalizado em avenidas perdidas. corredores que emendam esquinas, refúgios, amores vãos, verbos tecidos em lençóis de hotéis baratos. anseios mal intencionados, carregam imensa questão: aqui estamos ainda incertos do que será - manter a forma ou primar a rima? faço as pazes com a dúvida. deixemos tudo no chão, esse acúmulo de luares e palavras infames. versos repetidos habitando nossa boca como uma memória sem ruído. sentença de existir para entender o possível: transformar arte em lugar. quadro que sustente o corpo desvestido de rosto ou nome. DNA da saliva presa numa xícara de café ou na tampa da caneta. quem sabe de nós imersos na cidade a ouvir oráculo das runas? no futuro da hora pisamos sobre as coisas que já não cabem no mundo.
1. Assim que te vejo vermelha ventre mate entre o verso e o acidente corpo preso em gestos de liberdade. Não te nomeio. Tua imagem são mil nomes sem nenhum receio. Expões-te àquilo que passa diante da lente a inquietude latente do verbo um arrepio às voltas do cordão silêncio tecendo o fio que nos resgata deste (im)provável labirinto. 2. (De feitio selvagem) o corpo na urgência da finitude sangrando palavras estorvadas que não superam o desejo. Se o tempo arrasta o mundo e se basta quero a vida e seus pretensos milagres nada que me afaste da substância dos sonhos para além do cordão e das estradas entranhas emolduradas pelas manhãs.
vultos à volta movem-se lentamente feito lembranças de um tempo ardiloso o espelho prende à parede translúcida realidade - anverso das manchas de aço no impressionismo da face em vestes esvoaçantes (à moda dinâmica dos fantasmas) cortinas balançam o vento revolvem poeira sobre o soalho de pedra que atravessa corredores da casa ancestral estiagem que anuncia finitude de estações nesse acúmulo de setembros